quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O metrô de Nova York

Senhoras e senhores leitores deste humilde blog, desculpa o incômodo. O senhor à direita na foto acima poderia estar roubando, mas não, esse senhor meio xexelento entrou na estação armado com aquele carrinho preto que está atrás dele, carregando aquilo sobre o qual está sentado, as duas caixa de som, um adidas falso e um gravador com as bases das músicas que ele, calmamente, sem pedir autorização, permissão ou atestado, começou a cantar. Nesta posição, sem se levantar, movendo apenas as mãozinhas e fechando os olhos sempre que a alma ameaçava lhe escapar, puxou alguns clássicos do Rythm and Blues, de Marvin Gaye para baixo, e eu confesso que só não chorei porque, bem, porque não cabia. Se alguém puxasse o coro, eu não me segurava.

Nova York é tão chique que até mendigo fala inglês (essa frase não cabia bem aqui, mas eu não podia perder a piada).

Fiquei ali esperando o Metrô, que demorava, e foi pintado um clima, enquanto mais gente chegava. Nos dez ou quinze minutos que o ouvi cantar, eu e outros dez depositamos um dólar naquele balde entre as caixas, quer dizer, o cara ganhou um dólar por minuto, o que dá sessenta por hora, quinhentos por dia, dois e quinhentos por semana, dez mil dólares por mês! Se eu tivesse feito essa conta na hora, pegava de volta o meu.

O metrô chegou, me acomodei. Dois rappers aborrecidos discutem em voz alta - rappers estão sempre de mau humor, até para contar piada. Um cartaz na parede diz, em inglês e espanhol: “No ano passado, 1.954 pessoas viram alguma coisa e disseram alguma coisa” – referindo-se a objetos suspeitos deixados em locais públicos – “Então, se você vir alguma coisa, diga alguma coisa”. Ao lado deste, um anúncio de uma universidade: “Sabe quem será seu professor?”, e o rosto de dois professores, um dos quais ganhador de um Oscar. À minha direita, uma gorda lê a história do judaísmo em russo, um senhor negro de gravata dormita e uma moça almoça frango com batatas fritas encharcadas em ketchup. Quem ipod, ouve música.

Algumas estações à frente, um grupo suspeito de adolescentes, na faixa de 11 a uns 14 anos, embarcou. Após Tremont, o Metrô entra num buraco negro, ninguém entra, ninguém sai, até mais ou menos a 145st, Harlem, e foi aí que eles atacaram. O mais velho falou alguma coisa em spanglish aos passageiros, e os quatro formaram uma cruz. Uma coisa começou a apitar – e eu pensei cá com minha pochete supersecreta: pronto; atentado terrorista, bem na minha vez. Ao comando do mais velho, os quatro bateram palma. Olhei em volta, ninguém dava a mínima, devem ter se acostumado com atentados, a gente se acostuma com tudo na vida... novo comando, duas palmas. Alguma coisa tá apitando! E então, eles ligaram um som, e uma música break começou a tocar, substituindo o apito, e os quatro encetaram uma dancinha ensaiada. O metrô estava cheio, veja bem, imagina, todas aquelas pessoas que se acumularam ouvindo o milionário do adidas falso estavam ali dentro! E então, um de cada vez, os garotos foram assumindo o centro da roda, e a fazer requebros break, e depois malabarismo – o mais novo, um neguinho esquálido, simplesmente deu um salto para trás, com o trem andando, depois um outro de rabo de cavalo e penugem no buço, um salto ainda mais espetacular, de lado, tudo ao comando do mais velho e da música que saía de algum lugar que eu não reparei, nem quis mais olhar – eu não estou aqui para ficar dando dólar para cada um que me aparece fingindo que é pobre e mexicano.

Passo horas dentro dos vagões do Metro, indo de um lado a outro da cidade ou voltando para o Bronx. Às vezes, é um carrinho com o bebê mais fofo brincando com a mãe, ou então está no colo do pai, tomando mamadeira e sacolejando. “Em Nova York, aja como um newyorker”, dizem meus guias, não dê atenção, seja indiferente, desvie o olhar. “Se você é brasileiro, seja forte neste momento”, pode estar o sujeito se auto-imolando, isso não é com você. Afinal, quem não tem seus problemas? Nas paredes, o anúncio de uma nova temporada do serial killer mais querido das Américas; ele está em close, é bonito e sorri, o lado direito do rosto todo respingado de sangue. Um hippie entra de bicicleta, uma dona leva um cachorro dentro de uma bolsa, dois japoneses falam alguma coisa sobre Basquiat, mas talvez “basquiat” signifique “pois é”, ou “azeitona”, vai saber.

Marcel Duchamp, artista francês sobre quem falarei mais em outra oportunidade, morou em Nova York entre 1915 e 1918 (depois voltaria para morar aqui, e aqui ficaria até morrer), e declarou em 1964: “Para um francês acostumado com distinções de classe, pude sentir o que uma democracia verdadeira era capaz de fazer. Pessoas que podiam dar-se ao luxo de ter motoristas iam ao teatro de metrô, coisas assim.” De fato, pode ser meio dia ou meia noite, não importa, estão todos ali, indiferentes entre si, calorosos com os seus, mas todos usam o Metrô. É quente, cheira mal, mas é relativamente limpo para um transporte centenário que ainda leva um bilhão de pessoas por ano para cima e para baixo, a 2 dólares a viagem.

Como a praia do carioca e a praça Castro Alves para o soteropolitano, o metrô de Nova York é do povo.

2 comentários:

denise disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
denise disse...

Ah, bem! Então quer dizer que você vai falar mais do Duchamp em outra oportunidade, né? Você está im-pos-sí-vel!