segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Get the whole thing

– Você tem seqüestros aí?

Fiz essa pergunta em três ou quatro lugares, incluindo o Lindy’s, onde eu fui atendido por uma boa senhora branquinha e polidamente americana, e a reação sempre foi “What?”, seguido de uma feição de pavor. Que diacho de lugar é esse, pensava eu, que não tem um simples seqüestro? Essa gente não limpa a boca? Eis que o Steve, o simpático pizzaiolo sérvio do Rocco’s, elucidou a questão: “Do you have kidnappings?” – disparei eu, mais uma vez; “you mean, napkins?”, disse ele, compreensivo, me apontando os guardanapos.

Este Steve, cujo nome desconfio ser uma adaptação ao gosto americano (sérvio chamado Steve?) é do Kosovo, aquele lugar sobre o qual não sei absolutamente nada mas que esteve envolvido numa guerra monstruosa em que militantes de uma facção, a título de limpeza racial, seqüestraram e estupraram mulheres, muitas vezes vizinhas de rua com quem compartilharam a infância, simplesmente por serem de outra nacionalidade ou religião – entre outras indizíveis barbaridades. Não sei qual foi a participação do Steve nessa história, e qualquer que tenha sido, terá sido dramática, o fato é que ele e seu sócio são muito divertidos, e sua pizzaria é desses lugares em que as senhoras solitárias do Bronx se sentam, em busca não só de um slice de pizza bom e barato, mas principalmente de alguma risada.

Pois bem, foi esse sérvio quem deu o tom de minha viagem a NY. Ele tirava do forno uma pizza fechada, do tamanho e formato de uma vitória-régia madura, cheirosa e estalando de quente, e eu parado em frente ao balcão aguardando ser atendido. “Next!”, ele gritou, foi a deixa para eu perguntar sobre o que havia dentro daquela massaroca. Steve empurrou seu bonezinho para trás e coçou a cabeça, esboçou um well, e começou a arrolar tudo que ali havia de bom e gorduroso. No quinto ou sexto ingrediente, e eu já não lembrava do primeiro, me entreguei: “Forget, just give me...”, ao que Steve agradeceu, levantando os braços:

– Yeah, man. Get the whole thing!

“Get the whole thing” tem sido, desde então, o lema dessa minha viagem. Eu trouxe tudo para fazer uma abordagem perfeita a Nova York: três guias sobre a cidade, dicionário, laptop, câmera fotográfica, uma pochete super-secreta que fica secretamente aderida à barriga sob a cueca, cinto e calça, entre o umbigo e os pentelhos, para guardar o passaporte e notas altas, e aqui ainda obtive outros mapas, guarda-chuva, jornais com a programação cultural, enfim tudo o que há de mais moderno em matéria de tecnologia da informação e mais antigo em questão de segurança.

Não demorou para eu perceber que não ia funcionar. Um bom exemplo disso foi minha ida à agência do Banco do Brasil em Manhattan. O NYBG, que está financiando a viagem, pretendia me dar um cheque, mas nem eu nem eles sabíamos se bancos brasileiros aceitam um cheque americano. Mandei um email para o banco, e eles responderam dizendo que sim, seria possível através de uma ordem de pagamento e sei lá mais o que, então resolvi checar pessoalmente.

Lá fui eu, montado: boné na cabeça, óculos de leitura no bolso da camisa, a mochila com livros, dicionário e guarda-chuva no peito, cigarros e óculos escuros estrategicamente acessíveis no zíper da frente, máquina fotográfica perpassando a mochila, uma carteira com dinheiro miúdo e cartões no bolso direito da calça, chaves de casa no esquerdo, mapa do metrô no bolso traseiro esquerdo, aquela pochete secretamente escondida naquela inominável local do corpo, ficando portanto livre o bolso traseiro direito para qualquer eventualidade.

A agência do Banco do Brasil fica na 48th Street, entre as 5ª e 6ª avenidas, número 600, terceiro andar. Falando assim, parece muito simples. Para quem chega, não é nada simples. Primeiro você precisa saber qual a linha de Metrô passa perto de você (são 26 linhas), e se essa linha passa perto do endereço que você procura, caso contrário, serão necessárias conexões, e então descobrir que acesso ao Metrô deve-se entrar, pois as entradas dependem da linha, e mesmo em entradas certas há que se prestar atenção se estão em operação – antes de descer as escadas, há bolas que podem ser verdes ou vermelhas, as verdes significando que está em operação, vermelhas caso contrário. A parte do Bronx onde estou hospedado é servida principalmente pela linha D, que por sorte é uma boa linha, pois corta Manhattan de norte a sul, mas dependendo da situação – isto é, se for hora do rush, às terças e quartas e sábados, se não estiver chovendo e/ou não for dia de Saint Patrick, coisas assim – também me serve a linha B. Na dúvida, me disse Emily, tome sempre a linha D!

A agência fica num dos prédios do Rockfeller Center, com uns 700 andares sei lá eu, num dos quarteirões mais suntuosos de Manhattan. Para entrar no prédio, passa-se por uma daquelas portas giratórias lindas e douradas que só vemos em filmes, e deve se dirigir a uns dos guardas impecáveis na elegante portaria. Contei-lhe toda a minha vida, cheque, banco, Brasil, tudo que pudesse ajudar, mas ele ficou olhando para mim sem demonstrar nenhuma piedade. De alguma forma, compreendeu que eu precisava ir ao terceiro andar, e para tal só precisava de uma coisa da minha pessoa:

– Passport.

Diante da humilhação a que me expus para chegar ao documento, o segurança demonstrou, enfim, algum esgar de comoção.

Hoje sou outro. Saio de casa apenas com algum dinheiro, cartões, um único mapa, meus óculos e, às vezes, a câmera. Que se dane se chover, que se dane a história de cada casinha de Manhattan, se não entendem meu inglês, paciência. Escolho um foco – um museu, uma loja, um cinema – e ando sem rumo ao redor, parando onde me dá na telha, ou seja, getting the whole thing! Ainda uso a pochete, até porque ela modela minha barriga... Ah, bancos brasileiros não aceitam cheques americanos.

2 comentários:

LCFranca disse...

Beleza?
AHAAHAHHAHAAAA!!!!
Pô, perguntar pro sérvio se aí tem Kidnappings - tava arriscado ele te dizer que deixou a Sérvia justamente por isso...

Claudia Tojek disse...

Oi, marcos!
Eu tenho uma estoria boa sobre servios que eu e silvia conhecemos em um restaurante italiano em NY.
We mopped the floor!
(passamos o rodo)
Kosovo ou nao?