sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Claudia e Jon

Minha irmã e meu cunhado americano me proporcionaram inesquecíveis momentos nesta minha primeira viagem aos EUA, aquele tipo de lembrança na vida de uma pessoa que Chico Buarque, muito propriamente, chamou de tatuagem. Poder estar uma semana atrapalhando a rotina de uma casal na Los Angeles do começo do século XXI foi, para mim, um prazer tão grande quanto conhecer Nova York, senão maior porque, em se tratando de minha própria irmã, a tatuagem correspondente ficou com cheiro de carinho.

Esse Jon, ele é ímpar. Uma das últimas coisas que ele me disse antes de minha volta para o Brasil foi a piada mais engraçada que já ouvi. É tão engraçada que eu só consegui dar a ela o verdadeiro valor dois dias depois, já no Brasil. Mas antes de contar a piada, quero falar da Claudia. No final a gente faz algum tipo de enquete para votar em quem é mais maluco, ela ou o Jon.

Um dado importante a respeito da Claudia é que ela, na infância, era muito tímida, e até se casar com o Jon, era dentista. E que na época em que se casaram, Claudia já andava há algum tempo descontente com a profissão. E que depois de anos de farra, estava na hora de se apaixonar. Não quero dizer sua idade, apenas que é dois anos mais velha que eu, que tenho hoje 42. Ela me apresentou o Jon nos dias que eu me separava da Daniela, portanto em 2001. Fomos ao cinema ver não lembro o quê, e eu fui logo com os cornos do sujeito, posto que americano. Nem precisava muito: um cara que fez parte da equipe de computação gráfica do filme Matrix era namorado da minha própria irmã!

Jon é de Wisconsin, segundo ele a terra do “verdadeiro” queijo – o cheddar. Americanos, you know. Veio morar no Brasil no final dos anos 90 para, entre outros motivos, trabalhar na Tibet filmes, uma subsidiária da produtora Mega, acompanhando seu amigo João, que retornava ao país natal. Conheceu a Claudia nas noites do Rio – Baixo Gávea, se não me engano, e começaram a namorar. A coisa foi ficando, com o passar dos anos, esquisita: estava dando certo! O português do Jon, lapidado por árduos anos de convívio com a língua de Camões, tinha umas seis palavras – atualmente, 37 nos dias de chuva – então nós, irmãos, brincávamos que o Jon não entedia nada do que a Claudia dizia, e só a Claudia entendia o que o Jon falava. Eram, portanto, o casal perfeito.

A primeira parte da suspeita pôde ser confirmada pela história que a própria Claudia conta. Logo que ela se mudou para os EUA, o casal foi viajar de carro. Sempre que Jon corria muito, ela dizia para ele “devagar...”, e ele acenava. Até que na décima vez que ela disse “love-love, devagar...”, Jon finalmente desistiu:

– What is “devagar”?

Quanto a ninguém entender o Jon, essa é mole. O cara já foi engenheiro químico, punk e yuppie, é surfista, lê Dostoievsky, conversa sobre qualquer assunto e acalenta eternamente o sonho de viciar-se em alguma coisa. Experimenta de tudo que está ao seu alcance, além de outras que estão fora, o que torna ainda mais difícil interpretá-lo. Só amando mesmo.

Enquanto empregado no Brasil, Jon alugava uma cobertura duplex na Gávea, onde dava ótimas festas. Um belo dia chegou para mim e disse que queria fazer umas jam-sections nos finais de semana. Em 2002, montamos uma banda, altamente duchampriana, que, nos piores momentos, chegou a ter dois tecladistas (eu e Alexandre Contador), um guitarrista (Jon), vocalistas (Claudia e eu), baixista (Flávio Mario) e um DJ pilotando efeitos especiais num Mackintosh (João Dias). De 40 horas de ensaios, foram obtidos uns 6 minutos de qualidade. Parece pouco, mas foram 6 minutos gloriosos para a energia musical que sobrevoa o planeta. O estilo, hip-hop progressivo ou, para os íntimos, hip-rog, era inédito na história, com longos, longuíssimos, por vezes infindáveis solos de teclado do Alexandre. Um dos grandes minutos veio com a adaptação, para um ritmo digital pesado e contorcido, de uma tradição oral de minha família, uma cantiga indígena que suspeito ser espúria, cuja letra diz assim:

Tum Tum jacatunga-tê, esquindô jabaritê, jacatunga-tinga! Uê samaberebaba esquitum jabaritê jacatunga-tinga!

Até agora, descobri que se trata de uma música do folclore sulafricano, gravada pelo extinto grupo Virgulóides, com uma letra diferente, intitulada Dum Dum. Se alguém souber mais alguma coisa, a família agradece.

Acontece que a empresa do Jon foi fechada. Além disso, Jon estava ficando defasado no tipo de conhecimento que tem, e estava longe do grande mercado consumidor de suas habilidades, basicamente o hemisfério norte, e o casal se viu no dilema: como se manter no Brasil? A solução foi morar nos EUA.

O festejado casamento, porém, tinha que ser em Piraí, uma cidadezica no interior do Rio que está no coração de minha família há quatro gerações. A família do Jon – seu irmão, seu pai e a madrasta (sua mãe faleceu quando ele nasceu), que nos EUA moram em cidades distantes – também veio para a farra. O evento legal se deu no cartório da cidade: oito casais, alguns bastante humildes, um sem dentes, e dentre eles aquela dentista branca azeda e aquele americano com dreadlocks nos cabelos louros. A juíza, louríssima, bronzeada e divertida, teve a delicadeza de convocar uma mocinha de Piraí para traduzir a missa para o inglês. Para tal mocinha, e também para todos os presentes, foi um momento daquilo que os cristãos chamam, muito propriamente, de glória.

Então passei uma semana com esse casal. Eles vivem em Venice Beach, cidadezinha praiana mais ou menos chique colada em Los Angeles. Claudia está largando pouco a pouco a carreira de odontologia e desenvolvendo, rapidamente, uma nova carreira, de esteticista. Nunca ficou muito claro para família o porquê desta mudança, mas agora não tenho mais dúvidas: Claudia não agüentava a vida de dentista – até mesmo porque estava matando sua coluna – e acha, com razão, que com a experiência em estética facial que está acumulando, tem maiores e melhores chances de trabalho no mercado americano, e mais ainda no brasileiro, caso tenha que voltar. Claro que tamanha transformação aos 40 do segundo tempo traz para qualquer um compreensíveis ansiedades, que a Claudia vem enfrentando com admirável coragem e determinação.

Para o Jon, trabalho não parece ser seu problema. Já residiu (às vezes por pouco tempo, 3 meses) em lugares bastante diferentes como o Brasil, Índia e Austrália, além dos EUA, claro, sempre com trabalho. Há pouco tempo largou a Sony, onde participou de filmes como O Expresso Polar e Casa Monstro, porque o trabalho era excessivo. Atualmente, trabalha como freelancer em projetos e empresas produtoras menores, o que vem lhe permitindo dedicar-se a sua paixão atual, o surf.

Ou seja, os dois estão ralando como todo mundo. Mas na semana que passei com eles, ambos estavam praticamente de férias. Então me levaram para passear nas praias e comi nos melhores restaurantes japoneses de Los Angeles, como o Matsuhisa (do renomado chef Mobu). Conheci grandes amigos do casal, como Stuart, Ken Ibrahim, Creg, a italiana Monica e a alemã Zimona. Fomos a Las Vegas, treinamos golfe, fomos praticar tiro em clube de tiros, comemos grilos em restaurante no aeroporto de Santa Monica, percorri as famosas Sunset, Hollywood e Beverly boulevards, passei em frente ao Kodak Theater, onde é realizada a festa do Oscar, enfim, vejam fotos no meu álbum virtual http://www.flickr.com/photos/marcosgonzalezrj.

Mas o mais legal foram as situações que a gente sonha em ver ao vivo, mas imagina que só se transformando numa mosquinha. Foi ter disputado com eles o banheiro (a terceira coisa que a Claudia me perguntou assim que a revi, após dois anos, foi “a que horas você caga?”), ter lavado minhas cuecas na lavanderia do condomínio, ter visto vídeos no YouTube e ouvido o show de blues do Joe, irmão do Jon, no Second Life. Ter dormido no trambolho de uma cama de ar, que tínhamos que encher à noite e esvaziar toda manhã (a cama cheia no meio da sala durante o dia era, pelo que entendi, motivo de separação), e conquistado, dia após dia, a confiança do “bebê-gato”, que na última noite dormiu comigo (refiro-me ao Aki, não ao Jon). Ter acompanhado uma deliciosa porém ferrenha disputa pelo filme que iríamos assistir naquela noite de preguiça - o da Claudia era sobre uma escritora deprimida e suicida; o do Jon era de mortos-vivos que comem cérebros de não suicidas.

A piada do Jon é a seguinte: Você pergunta ao ouvinte “qual a pior parte de ser um (aqui você pode incluir qualquer atividade ou profissão, de preferência a do ouvinte, como por exemplo designer ou patinador)?” A pessoa diz qualquer bobagem, e você responde: “É contar a família que você é gay”. O Jon já passou um dia inteiro aplicando a filosofia desse chiste num ambiente com profissionais masculinos de computação, mas parecem haver indícios de que ele faz efeito também em botecos.

Por ora, não adianta você ficar tentando achar graça ou entender a grandeza da piada, pois isso só lhe ocorrerá daqui a uns dois ou três dias.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Foi um Rio de que passou em Nova York

Hoje estou de partida para Los Angeles, para ficar uma semana com minha querida irmã Claudia. Então, para concluir essa grande viagem por NY, nada melhor que um bate-bola comigo mesmo.

Uma palavra: Astonishing! Sempre que um crítico, de cinema ou teatro, principalmente, está meio sem idéia sobre o que dizer da obra, ou mesmo o que achou dela, usa esse adjetivo – e sempre me vem à mente completar: “saúde”. Em segundo lugar, cabeça com cabeça, vêm “mesmerizing” (hipnótico) ou “must-see” (imperdível). Embora clichezões, refletem bem meus sentimentos em relação à cidade.

Uma frase: “Stand Clear of the Closing Doors, Please” (afastem-se das portas sendo fechadas, por favor), que é pronunciada em cada estação do metrô nova-iorquino. Como dos 40 dias na cidade eu devo ter passado uns 10 dentro do metrô, a frase ainda ficará ressonando em mim por um bom tempo. Mas não estou sozinho; o Google retorna quase 800 referências a ela...

Moda masculina: para ser cool em NY esta semana, a moda é ser japonês (na falta deste, qualquer oriental serve), jovem (até 25 passa) e muito magro (50 kg estourando). Se você se enquadra neste perfil, então atenção: aquela camisa xulé branca com gola esgarçada em “V”que você só usava para dormir, e mesmo assim quando a namorada não estava por perto, é o que há no momento. Acordou, é só sair. Se estiver frio, lance casualmente alguma coisa por cima, de preferência no estilo o-defunto-era-menor. A calça deve ser preta e colada ao corpo; nos pés, pasmem, tênis branco. E um iPod, claro, para garantir a beleza da indiferença. Uma figurinha assim acaba de sair na Time Out desta semana, seção “Out There” (Por aí), mas eu já tinho visto vários no mesmo padrão. Se por acaso você não se enquadra no perfil, nem fazendo regime, então paciência: seja elegante e já estará de bom tamanho.

Moda feminina: não reparei nenhuma moda específica feminina, até porque sou casado e não fico olhando para mulher.

Outras modas: Aquecimento Global, falar mal do Bush, alimentação eticamente correta, e documentários. Até diretores consagrados em filmes de ficção, como Barbet Schroeder (Mulher Solteira Procura) e Jonathan Demme (O silêncio dos Inocentes) estão lançando documentários. De Schroeder, assisti aqui O Advogado do Terror, sobre um argelino meio chinês que foi o advogado de defesa de alguns tiranos famosos, como Slobodan Milosevic e Carlos, o Chacal.

Uma foto: NY é talvez a capital mundial da saudade, das partidas e chegadas, das idas e vindas, do fluxo contínuo do passado para o presente. Então, para representar tudo isso, escolhi a foto abaixo, que tirei no Staten Island Ferry.

Um filme: Não é toootalmente astonishing, mas “La Vie em Rose”, filme biográfico sobre Edith Piaf, vale a pena pela atuação de Marion Cotillard, que parece incorporar a cantora francesa (edithpiafmovie.com). Bacana e estranho também foi ver Macunaíma num cinema todo americano, gigante e lotado. Não consigo imaginar o que deve ter passado pela cabeça daquela gente vendo aquele destrambelhamento total. E Dina Sfat, hum, no auge de sua beleza...

Um show: Project/Object Performing Music of Frank Zappa Featuring Napoleon Murphy Brock, sexta-feira, 12 de outubro, no Lions Den. A música de Frank Zappa já é uma aventura que navega pelo jazz, rock progressivo, psicodélico e irônico, com alguns toques de tropicalismo a la Mutantes, e o show desses caras em sua homenagem foi, como eu poderia dizer, mesmerazing! Quase 4 horas de duração, gente entrando e saindo para tocar e cantar, uma energia incrível, com direito até ao instrumento russo Theremin (patenteado em 1928), que se toca sem encostar a mão, e produz um som tipo disco voador de filme trash antigos.

Um sujeito: Jim Prochilo, ou simplesmente Jimmy. Meu grande companheiro nessa viagem, e só espero que não tenha ido à falência por minha causa, pois cismou de pagar tudo.

Um agradecimento: ao New York Botanical Garden, pela incrível oportunidade que me proporcionou, e aos amigos que fiz ali, pelo carinho e atenção com que me trataram.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Sarah Lee em Nova york

Lendo a revista Time Out New York (timeoutnewyork.com, mas existe em outras cidades grandes americanas), ou simplesmente Tony, edição de 4 a 10 de outubro de 2007, eu, um carioca esperto e safo, me senti uma velhinha republicana e virgem do meio-oeste.

Para quem quer saber o que rola na cidade (a dica foi do Jimmy), a Tony é muito útil: é uma revista semanal, na linha Veja Rio, só que é vendida, por três dólares, e tem o dobro de páginas. É grande porque traz a mesma programação cultural, completa, em pontos de vista diferentes – dividida por seções, por público alvo, por bairro ou por dia da semana. Fora isso, a revista tem um tema principal, e o daquela semana era sexo. Não se deve perder de vista que não se trata de uma revista para um público especializado, como uma Playboy, mas para todos que se sintam incluídos entre os nova-iorquinos modernos e antenados. Seu público alvo parecem ser as classes mais abastadas, na faixa dos 20 aos 50 anos, portanto era de se esperar que tratasse do tema sem grandes pudores, assim como esperaríamos no Brasil, mas a edição em questão vai bem além dos similares nacionais.

A capa da revista já promete debater não a xaropada de "discutir a relação", diferenças entre os homens e mulheres ou “como recuperar seu namorado em três dias”, mas sim as fantasias sexuais, e de forma mais explícita possível. Também não se trata de temas proibidos e misteriosos como homossexualidade, pois Nova York já passou faz tempo dessa idade – a Tony tem uma seção totalmente dedicada aos gays e lésbicas, da mesma forma que tem uma para crianças; aliás, esta vem em seguida daquela. O negócio é mais embaixo, ou por outra, é em cima E embaixo, depende do freguês.

Para começar, a revista publica alguns relatos de novaiorquinos que vivenciaram suas fantasias. Audacia Ray, que andava entediada com sua vida de sexo grupal, narra sobre a noite feliz em que foi duplamente penetrada, isto é, penetrada ao mesmo tempo (DP para os íntimos, muito íntimos), pelo namorado e uma amiga do namorado, como ilustra a foto acima, tirada da própria revista. Em outro relato, Samantha Jones, estressada com assuntos de dinheiro e carreira, queria porque queria experimentar um “splosh”, ou seja, sexo lambuzado com alimentos. Na dúvida sobre o que usar, ela e seu namorado foram ao supermercado e compraram pudim de baunilha e espaguete com molho de tomate, descartando o chocolate e o chantilly por serem muito clichê. Como se pode imaginar, a trepada foi desastrosa, mas o casal conseguiu obter boas risadas e um quarto imundo ao final da experiência. Zippy Reynols queria fazer sexo em público, e o fez, num campo de baseball, às duas da manhã, com alguém que conheceu num bar. Tess Danesi queria ser estuprada, e combinou tudo com o namorado, mas ele o executou com tanta veracidade que ela ficou com medo dele. Kay Poison, por sua vez, queria apanhar, ser chicoteado e humilhado por uma fêmea em um ritual sadomasoquista, e para tal contratou Mistress Coraline. A lésbica Pamela Marks queria transar com uma prostituta transsexual. Alpinia Dean fez sexo com sua bicicleta. As histórias são ilustradas por fotos picantes, enriquecidas por comentários de James Bufalino, hilariante comentarista sexual da revista.

A revista prossegue, relacionando então alguns fetiches numa tabela de duas páginas, com perversões em linhas, e nas colunas, pequenos textos sobre o que é tal fetiche, como começar, quais são os riscos e dicas de quem já o pratica. Alguns exemplos são tara por pés, ou por “hentai” (qualquer pornografia na forma de desenho em quadrinho, principalmente japonês), brincar de médico, sexo por telefone, prazer com eletricidade e o “controle da respiração”, que é aquela coisa de colocar saco plástico na cabeça para obter maior prazer sexual, cujo maior risco é, obviamente, morrer (como o público alvo deste blog é talvez mais amplo que o da revista – em outras palavras, minha mãe o lê - exerci aqui meu direito reprimido de censor).

Em outra página, são analisados os resultados de uma pesquisa sobre as preferências do nova-iorquino, divididos em quatro grupos (homem heterossexual, mulher heterossexual, homem homossexual e mulher homossexual), que responderam perguntas tais como: se você fosse convidado para ser um personagem numa “brincadeirinha”, qual seria sua preferência? (opções: policial/bandido(a), médico/paciente, entregador de pizza/cliente, presidente/secretário(a) de Estado); complete a frase “minhas fantasias sempre envolvem...” (opções: múltiplos parceiros, pessoa do mesmo sexo, brinquedos sexuais, ânus); se você ficasse invisível de repente, que local você gostaria de ir para uma sessão de voyerismo? (opções: o banheiro de um colégio de segundo grau, o quarto de dormir de Brad Pitt e Angelina Jolie, vestiário de academia de ginástica, set de filmagem de filme pornô) etc. Daí para baixo, bem para baixo.

Crônicas e colunas seguem, entram as seções e o assunto não se extingue: a seção sobre gastronomia, uma matéria sobre como os chefs de cozinha (que são popstars em NY) sabem que os animais que usam em seus pratos foram felizes, inclusive se tiveram uma boa qualidade de vida sexual. As soluções passam por monogamia entre porcos, vaginas artificiais para bois, por aí. Na parte sobre bares, a revista indica locais onde se pode jogar Erotic Photo Hunt, um game em que o jogador tem que olhar uma seqüencia de fotos eróticas, apresentadas duas a duas, uma ao lado da outra, e dizer se existem diferenças entre elas. Mais adiante, leitores viciados em pornografia comparam tecnologias de HDTV. Página seguinte, uma reportagem sobre um loja de produtos para sadomasoquismo. Outra seção, intitulada The Nether-lands, começa assim: “Cinco ou seis anos atrás, meu ex me pediu uma ‘brasileira’ como presente do dia dos namorados. Eu fiquei indignada, pois não queria ficar igual a uma estrela pornô ou, pior, uma criança!” A ‘brasileira’, no caso, significa uma depilação total dos pêlos pubianos, e a reportagem é sobre isso. Termina com gráficos em pizza sobre os hábitos dos nova-iorquinos no que se refere a depilação. E por aí vai: uma matéria didática sobre como fazer sexo oral, detalhes de uma viagem de um senhor a um resort na Virgínia do Norte, onde ele desfrutou de uma prostituta, entre outros prazeres, com tudo pago pela Tony. Todos os textos são acompanhados por fotos e dicas de sites, e também há propagandas diversas, de vibradores, pontos de encontros de solteiros que desejam conhecer moças e/ou rapazes russas, judeus, europeus em geral, enfim...

A revista parece assim participar de um esforço contínuo que o nova-iorquino faz para se diferenciar, liberar-se das repressões e respeitar as diferenças, mesmo as mais bizarras, levando adiante a filosofia do ultra-politicamente-correto. Uma das coisas que chamam atenção nos EUA é sua busca incessante por ser “o mais” – o país mais livre, o mais rico, o mais forte – e essa obsessão é chuchada diariamente na mente de cada um dos americanos. Assim, Nova York não quer apenas se libertar sexualmente, quer demonstrar que é – e parece ser mesmo – a cidade mais democrática do mundo. Temos que ficar de olho, pois essa mixórdia daqui é um laboratório único e muito interessante sobre a humanidade pós-moderna. O que não impede que eu, Sarah Lee, fique chocada.

(Para finalizar, uma contribuição à feticharia, que aprendi num livro de história sobre nossos antepassados portugueses: a expressão “afogar o ganso” não é metafórica, mas literal – costume dos patrícios de comer o cu do ganso enquanto sua cabeça é afogada numa bacia d’água. Segundo consta nos registros, dá um grande prazer – não para o ganso, claro.)

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Frenesi fotográfico

Tiro fotos de tudo quanto é coisa, e percebi que, se a pessoa bobear, ela sequer olha para a coisa em si. É a conhecida “síndrome do japonês”.

A primeira vez que fui ao MoMA, peguei a boca livre das sextas-feiras em que, depois das 4 da tarde até as 8 da noite, o ingresso é gratuito. Cheguei meia hora antes de começar, e fiquei no meio de uma fila indiana que se formava no final do quarteirão, num terreno baldio exclusivo para ela, uma oportunidade para ficar ouvindo a conversa alheia, embora não entendendo bulhufas. A fila não parava de crescer, e foi ficando enorme. Havia ali uma certa tensão no ar, tipo “Os Pássaros”, todos ávidos por atacar o museu.

Quando chegou a hora, a fila foi conduzida à entrada principal do MoMA por guardas de preto, passando antes defronte ao Museu de Arte Folclórica (ou seja, arte de países do terceiro mundo), uma situação de certa forma humilhante, pois todos os homens e mulheres de negócio que passam ao largo devem pensar, imagino eu, “turistas, humpf...” Bem, a situação é humilhante e totalmente desnecessária, já já explico por que. O fato é que, assim que as portas giratórias foram liberadas, uma súcia cobiçosa espalhou-se a esmo nos espaços minimalistas do museu, apinhando-se nas escadas, elevadores, cafés, átrios e nos outrora sossegados espaços para refrigério, assolando inocentes voluntários à procura informações óbvias – quando bastaria ter calma e ler o manual – banheiros, já não mijam faz horas, e aparelhos com áudio sobre as obras expostas, para entenderem as três primeiras e ficarem carregando aquela geringonça nas demais.

Mas afinal, o que é que esse povo vai fazer no MoMA? Aí varia: alguns estão ali para tirar a própria foto, aquele tipo de foto que aparece você e sua companheira fazendo uma cara qualquer que se presume engraçada, embora estourada por causa do flash, em que no alto vê-se o céu do lugar onde se está. Serve para mandar pelo celular para os amigos sentirem inveja, ou para lembrarem-se, ao fim do relacionamento, daquela vadia ou daquele escroque. Outros estão ali para fotografar tudo que não se mexa, enquanto o memory stick da máquina digital agüentar, pois só têm aquele dia para ir ao MoMA e não dá para ficar prestando atenção em tudo. Se der, no café da manhã, dão uma olhada. Pais levam seus filhos de dois anos para despertar neles o interesse pelo mundo da arte, na esperança torná-los mais inteligentes, até porque não havia com quem deixar aqueles infelizes, mas o que as crianças gostam mesmo é ouvir seus próprios choros aborrecidos ecoarem nos salões. Uns não têm nenhum interesse particular em museus, muito menos em obras de arte, o que não podem é voltar para casa sem ter ido ao MoMA e ao Fantasma da Ópera – que vão pensar os colegas do trabalho? Há, por fim, aqueles que vão para ver os quadros famosos: “Meu bem, corre! Demoseledavinhon!” As mocinhas retratadas por Picasso estão até meio tronchas, a do alto à direita chegou a ficar cega de um olho, por conta dos flashes (proibidos) que já levaram no meio dos cornos.

Fica aqui a boa notícia: tal comportamento não é coisa de brasileiro; holandês também é gente como a gente.

Mas, como disse, tudo isso é desnecessário. Nas outras duas vezes que fui ao MoMA, sempre no sextão livre, cheguei à cinco. Nessa hora, as mocinhas da recepção já estão recompostas e penteadas e a súcia, exausta, não agüentando olhar mais nenhum quadro, pode ser até do Papa em pessoa, e sentam-se todos diante do chato do Monet, fingindo que estão apreciando suas impressões sobre plantinhas e laguinhos, quando na verdade estão que não se agüentam com a coluna variando, as varizes latejando, os calos gritando e os pés fervendo dentro daqueles malditos scarpins – quem foi a besta que falou para vir de scarpin?

Como eu disse no início deste, no entanto, eu também venho sofrendo o transtorno do frenesi fotográfico. Portanto tenho centenas de fotos para mostrar para os parentes e amigos. Ao invés de importuná-los com sessões infindáveis – “aqui, sou eu comendo tomando cerveja da China”, “este sou eu na Estátua da Liberdade”etc. – resolvi explorar mais uma ferramenta desses tempos modernos, criando o maravilhoso álbum de fotografias de minha viagem na internet, cujo endereço é http://www.flickr.com/photos/marcosgonzalezrj, que pode ser vizualizado também na na forma de slideshow. De antemão aviso que não estou em quase nenhuma foto. Eu não queria ficar importunando transeuntes para tirar foto de mim, e as que eu mesmo tirei, com temporizador, sempre ficava na dúvida se eu devia ficar olhando para a lente ou fazendo tipo de que fui pego de surpresa por mim mesmo. Em suma, cheguei à conclusão que as piores fotos eram aquelas em que eu aparecia. O bom de elas estarem na internet é que aqueles que não tiverem paciência de olhar podem simplesmente chegar para mim e mentir: adorei suas fotos, principalmente aquela (e aqui a pessoa pode encaixar um local qualquer, como Central Park, por exemplo). Sintam-se à vontade.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Comes e bebes

Para não viajar no orçamento, costumo fazer uma refeição barata e outra cara, a famosa técnica “vender o almoço para pagar o jantar”. O café da manhã é em casa, onde, sim, eu poderia cozinhar, mas não tenho nem talento nem paciência. Minha viagem tem sido, então, mais estética do que gastronômica, digamos assim. Até pretendia ir bons restaurantes, e tenho ido a alguns, porém com uma freqüência menor do que imaginava, por diversos motivos. Primeiro que meu foco são as expressões culturais, e então almoço ou janto nas imediações. Segundo é que nem sempre tenho coragem de entrar nos bons restaurantes, ou porque estou fedido e suado de longas caminhadas e, ao chegar ao restaurante, vejo que não é para meu bico, ou então é romântico demais para um viajante solitário, caro demais, fresco demais e estou com pressa etc. O fato é que já comi de tudo um pouco, do bom e do pior. Comecemos pelo bom.

Nova York está coalhada de grandes restaurantes servindo a culinária de praticamente todo o planeta. Quinze mil, segundo o Katia Zero, um de meus guias espirituais. Existem os clássicos, alguns com mais de cem anos, e os modernosos, que nascem e morrem feito moscas. Outro dia, sem querer, passei em frente ao Petrossian, que desde 1920 serve os melhores caviares e vodkas russos e é candidato natural a qualquer lista de cem melhores restaurantes do mundo. A decoração art déco, o chão de granito, o bar em mármore e as banquetas mink me convidaram a mudar de calçada. Afinal, um cara do Bronx como eu não pode ser visto num restaurante assim, onde até o valete que estaciona carros veste Armani. Mas em alguns eu entro escondido, quando os preços são convidativos.

Aliás, o que me derruba raramente são os preços pratos principais, que ficam entre 10 e 20 dólares, mas os acompanhantes (taça de vinho, U$7; sobremesa, U$ 7 a 10; cafezinho, U$4). Somando-se aí as taxas (mais ou menos 9%) e as malditas gorjetas “sugeridas” (15 a 20%), tudo pode ir para o beleléu.

Comi algumas vezes no Angelo’s, por exemplo, um restaurante que já foi sinônimo do Little Italy de Manhattan, mas que hoje está ao lado do auditório do David Letterman, em Midtown, que é um lugar de passagem para cima e para baixo, portanto prático. Fico de olho nas coisas diferentes de países esquisitos como a Turquia ou Índia, mesmo que ao pedir nem sempre eu saiba o que virá. Caso do Cafetasia, no Village, brasserie supostamente tailandesa, mas na verdade contemporânea e minimalista, onde resolvi experimentar o menu de degustação. Escolhi meio aleatoriamente de uma lista três itens para comer e um drinque. Vieram um espeto de carne, cebola e pimentão divinamente temperados com alguma coisa que não descobri, um gyo-za avinagrado de gengibre e frango, um crepe de tomate, amendoim e açafrão, tudo isso acompanhado de dois molhos condimentados, um barbecue e outro à base de shoyo, e uma bebida bem adequada, para não dizer o contrário: champanha rose com canela, quente. Para comer comida étnica autêntica, porém, uma boa idéia é sair de Manhattan e se aventurar para as bandas do Brooklyn, Queens ou Bronx, onde se encontram as comunidades de europeus e sulamericanos, e conseqüentemente suas cozinhas. É o que pretendo fazer, antes de partir.

Tenho comido muita massa com frutos do mar, talvez meu prato predileto (se não levarmos em conta coisas como feijão, arroz, carne moída, farofa e abóbora). Um grande momento foi no Smoke, onde fui com Jimmy para ouvir jazz, prova de que nem só de restaurantes vive a boa comida de Nova York. Eu nem estava com muita fome, mas para acompanhar meu amigo, pedi um prato de macarrão com camarões e mexilhões. O Smoke é um lugar escuro, pequeno e estava apinhado de gente silenciosa, então eu não levava muita fé na cozinha do lugar – afinal, jazzista que é jazzista não come; apenas fuma e bebe. Mas o prato estava simplesmente delicioso. O problema é que, enquanto meu vizinho parecia em transe com a virtuosa seqüência de músicos e músicas dissonantes, eu me via tentando desgrudar um mexilhão de sua concha sem afundá-lo na imensidão do macarrão à luz de uma mísera vela e sem fazer barulho.

Para quem não está podendo, há sempre os fast-food como os macdonalds e os burgerkings da vida, ou as carrocinhas de esquina, com cachorros-quentes, bagels, sorvetes e pipocas. Para lanches em geral, são muitas, muitas, muitas opções de delicatessen, cafés, lanchonetes, padarias chiques, cada uma mais apetitosa que a outra, para todos os bolsos. A rede Starbuck, que está se instalando no Brasil (por enquanto, só em São Paulo), aqui é uma praga, tanto quanto os esquilos. No Lindy’s, que prometia o melhor cheese cake do mundo, paguei (caro) para ver e a mocinha cumpriu sua palavra: um tijolo de pura caloria, com cobertura viscosa de morangos, tão perfeitamente vermelha que parecia de plástico, dessas que refletem a luz do teto. No Little Italy do Bronx (sim, existe outro, bem melhor e com italianos, ao invés de chineses), tive problemas em escolher o que comer. Vejam vocês mesmos por que, nas fotos a seguir.


Existem ainda excelentes opções para aqueles novaiorquinos mais naturebas ou que procuram uma melhor qualidade de vida, ou seja, os ricos. Eu mesmo tive de declinar de um convite para um restaurante japonês macrobiótico, pois não imagino nada menos calórico que isso. Prefiro, se o caso é estar em sintonia com a natureza, comprar frutas no mercado da fazenda que, todas as quartas-feiras, se instala dentro do NYBG. Comendo as maçãs vendidas ali, que parecem ter saído dos filmes de Walt Disney, sinto-me perfeitamente curado das panquecas com bacon do dia anterior.

Mas nem tudo são flores. O pior de Nova York são as comidas prontas, com destaque para um insuportável mashed potatos, que supostamente deveria se parecer com um purê de batatas, mas tem gosto de massa de modelar. O americano pelo jeito não liga, pois o mashed potatos é exibido com orgulho em todos os supermercados e servido até mesmo em restaurantes razoáveis. O feijão é outro. O modo de preparo aqui é o seguinte: coloque feijão para ferver, ponto. Sal a gosto. Morro de saudades do alho crocante, cebola, paio, e eu, que nunca soube para que servia o louro e suspeitava que era só para atrapalhar – o louro sempre vem no meu garfo – agora dou meu braço a torcer.

Manteiga, cismaram que mata, então inventaram um coisa para substituí-la. Estou falando da manteiga artificial, uma molécula inventada por algum cientista maluco, agindo sob pressão de alguma indústria oportunista, como por exemplo a Knorr, que lançou a inacreditável marca chamada “I Can’t Believe It’s Not Butter”. Como em toda história evolutiva dos mamíferos nosso aparelho digestivo jamais lidou com nada parecido, é muito provável que “I Can’t Believe It’s Not Butter”mate muito mais rápido que a boa e velha manteiga de vaca. O azeite, se não for em casas refinadas ou de cozinha européia, é um líquido timidamente oleoso, insípido, inodoro e incolor, mas totalmente desprovido de gordura trans – e é isso que importa, no final das contas. Tudo, aliás, pretende-se livre de gordura trans, outra coisa de que tenho saudades.

Sinto falta de banana amarela - aqui estão sempre verdes. E casas de suco. Não entendo por que, sendo os Estados Unidos um dos maiores produtores de laranja, não se encontre facilmente um suco natural dessa fruta por aqui. O renomado café americano é desnecessário comentar, mas tudo bem, é cultural e eu respeito; a opção do café expresso atende, não fosse uma xícara contendo meio dedo mindinho de café custar uma fortuna e só tapar uma cárie nos dentes de um brasileiro ávido. Queijo parmesão ralado é outra raridade. Pode ser que eu esteja comprando no supermercado errado, mas ralado por aqui só chedar ou mozzarela. Em resumo, a regra é: em restaurante médio para ruim, havendo a opção de comida pronta, em conserva, pré-fabricada ou artificial, é essa que servirão. E ninguém reclamará.

Para terminar, um elogio: um hábito muito cordial daqui é servir um copo d’água, grande e cheio de gelo, a qualquer pessoa que se sente numa mesa para comer. Isso é generalizado, dos pés mais sujos aos restaurantes mais granfinos, sinal de que é cultural. Acho isso de uma consideração com o freguês sem medida, sério. Tudo bem que água é um produto farto na região, já que toda Nova York fica na foz de um rio caudaloso, o Hudson, e você pode beber em qualquer bica, mas isso não diminiu em nada a gentileza. No começo eu estranhei, pois os garçons ou garçonetes nem pertanejam – sentou, água – e eu ficava olhando para os lados, ei, ei, ei, eu não pedi água; essa água eu não vou pagar! Agora costumei. Bebo tudo, já que é de grátis.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

New York Film Festival

O 45º festival de cinema de NY começou dia 28 de setembro, com direito a festa de gala e engarrafamento de limusines, e eu estava lá. Fui só para bisbilhotar e ver se descolava um canapé, pois o ingresso para a noite de abertura, com apresentação do filme The Darjeeling Limited, era 40 dólares, e eu estava meio sem tempo. De qualquer forma valeu a pena. Postado junto ao corredor por onde desfilaram as celebridades da noite, tive meu momento paparazzi, me acotovelando com outros 40 colegas pela melhor foto de gente como Adrien Brody (King Kong, O Pianista), ator do filme de abertura. Não sei quanto anos ele tem, senão colocava aqui, entre vírgulas.

O festival ocorre em diversas salas em torno do Lincoln Center, um complexo de prédios deslumbrantes (lembram Brasília, e são da mesma época) que abriga o Metropolitan Opera House e o NYC Balet, entre outros. Da programação, estou de olho nos últimos filmes dos irmãos Coen (No Country for Old Men), Abel Ferrara (Go Go Tales), Claude Chabrol (A Girl Cut in Two), Brian de Palma (Redacted, sobre a guerra do Iraque), um filme russo de 2007 chamado Alexandra, sobre a guerra da Chechênia, e a nova versão de Blade Runner (com corte do diretor Ridley Scott). Mas pode ser que não veja nada disso e simplesmente entre no primeiro que tiver vaga. Um, em especial, me interessa bastante: Fados, do Carlos Saura, que apresenta um vasto panorama deste estilo musical, desde as formas mais tradicionais às suas variações mais modernas, e conta com a participação de alguns dos principais cantores portugueses, além dos nossos Chico Buarque e Caetano Veloso.

Está também no festival a obra completa de Joaquim Pedro de Andrade: O Mestre de Apicucos (1959), Garrinha, Alegria do Povo (1962), O Padre e a Moça (1965), Brasília, Contradições de uma Cidade Nova (1967), Macunaíma (1969), Os Inconfidentes (1972), Guerra Conjugal (1975), O Homem do Pau Brasil (1982), além de outros sete curtas-metragens. Joaquim Pedro é descrito como uma figura chave do Cinema Novo que não se desviou de seus princípios estéticos até sua o fim de sua lamentavelmente curta carreira. Fosse interpretando, criticando ou enaltecendo a cultura brasileira, o diretor “fazia uso de uma luz vibrante e cores vigorosas, extraindo as melhores atuações de grandes atores do país”.

Há um evento que eu gostaria de ir, a New Line Cinema Gala, dia 5 de outubro, em benefício da campanha da Film Society para a construção de um novo centro de cinema. A entrada, sugerida, está na faixa dos U$ 2.500, mas infelizmente não poderei comparecer. Nesse dia, vou rever Macunaíma.


segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Jimmy

“Você tem que procurar o Jimmy!” – sugeriram minhas irmãs Silvia e Bia, que conheceram esse novaiorquino no Rio, mais especificamente no Clube dos Democráticos – “O Jimmy, ele... você vai gostar do Jimmy, ele é um barato!”, elas não conseguiam me dizer por que o Jimmy era um barato, mas eu acreditei nelas. Quando não se consegue explicar por que uma pessoa é um barato, é porque ela o é; ao contrário, se me vêm com “você precisa conhecer o fulano, ele é um gênio desse negócio de computador”, já fico achando que o sujeito é um chato de galocha. “Procurou o Jimmy?”, insistia a sempre animada Silvia, mas eu alegava que precisava desses vinte dias batendo perna, conhecendo a geografia da cidade, justamente para aprender a me locomover nela. O que eu não queria era ligar para o cara sem saber lhufas, depois ele podia se sentir na obrigação de me levar de volta ao Bronx, que é a caixa-prego daqui, nem pensar. Mas então vinha a Bia: “O Jimmy, no caso...”

Enfim, mandei um email para ele, tipo “Hi, I’m Marcos, Silvia and Bia’s brother, from Brazil” etc., vai e volta, marcamos de assistir um show de blues no Village. O ponto de encontro foi no Bar Next Door, 129 MacDougal St, entre 3rd e 4rd. Eu estava todo me achando, literalmente, pois sabia exatamente onde era isso, já me perdi naquelas bandas pelo menos umas cinco vezes. Ao chegar no endereço combinado, porém, dei com um restaurante italiano, La Lanterna di Vittorio, e só então me lembrei que não sabia nada sobre o Jimmy, se gordo ou magro, alto ou baixo, nem mesmo a idade dele eu sabia, e em se tratando de minhas irmãs, podia ter qualquer coisa entre 15 e 20 anos. Um sujeito com cara de roqueiro das antigas, ex- Hell’s Angel, cavanhaque e tatuagens no braço, parou por ali, e eu o abordei: “Você é o Jimmy?” Não era, e eu paguei uma de viado, embora em Nova York isso até pegue bem.

Entrei no La Lanterna, todo à luz de velas e uma varanda romântica ao fundo, contei meu problema para o gerente, um velhinho italiano, talvez o Vittorio em pessoa, enquanto adentrávamos o estabelecimento:
– Procuro um sujeito chamado Jimmy.
– Como ele é?
– Não sei.
– Não conheço nenhum Jimmy.
– Nem eu.

Ao sair, finalmente o Jimmy estava lá fora, fumando um cigarro. Não achei o Next Door porque ele fica abaixo do nível da calçada, ou seja, no porão. Muito legal, um pub meio cavernoso e escuro, o teto a uns 10 cm acima da minha cabeça, um clima de jazz generalizado, mas sem fumaça, já que em Nova York é proibido fumar em bares e restaurantes. Estava lá um amigo do Jimmy, Paul, e ficamos batendo papo no balcão, tomando uns drinques. Tanto o Jimmy quanto o Paul falam bem o português, fluentemente, já que ambos têm muitos clientes no Brasil e América Latina (e o Jimmy foi casado com uma brasileira); os dois se conheceram, inclusive, na Varig – hoje Jimmy é representante de uma fábrica de papel que vende para os grandes jornais daqui, o Paul trabalha num banco.

O Jimmy fala não só o português, mas também espanhol, italiano (ele é filho de), francês e, acreditem, inglês. Como novaiorquino, é uma decepção: atencioso, bem humorado e inteligente, conhece o Brasil de norte a sul, adora o país pelo que ele tem de caloroso, e não é à toa que minhas irmãs se encantaram com ele. O Paul, que estava numa beca mais gravata e pasta de trabalho, é outra figura. Perguntei-lhe sobre o que fez no Brasil e ele ficou alguns segundos pensativo, antes de responder meio cinicamente: “é uma longa história”. E a contou, de um jeito engraçadíssimo, falando baixo, num português pausado e explicado.

Saímos antes do show de jazz começar, nos despedimos de Paul – ele ia para casa, enquanto eu e o Jimmy fomos jantar num mexicano próximo – mas antes nos deu cópias da coluna do José Simão, da Folha de São Paulo (estado com que ele mantêm maior contato profissional), que ele imprime na internet para aprender piadas e bobagens de brasileiros. Morria de rir, por exemplo, com os comentários sobre um campeonato de futebol gay que está havendo na Argentina, cuja organizadora tem o sobrenome “Rola”, ou uma foto de uma lanchonete em São Paulo chamada “Piriri”. Outra coisa com que nos divertimos foram as versões de termos brasileiros em inglês, como “little country girl” (caipirinha) e “little cry” (chorinho). Me lembrei, claro, de minhas irmãs e também das Denises, Reis e Barros.

Eis o Jimmy, conversando com a Silvia no restaurante mexicano. À base de cerveja, burritos, quesadillas e umas três tequilas cada, falamos de tudo um pouco, de nossas irmãs (ele tem cinco, e como eu, é o único homem: “I know your pain, brother” – disse ele, brincando), mulheres e filhas (ele tem uma filha que mora com a mãe no Brasil e estuda biologia), férias (12 de outubro, descoberta da América, é feriado aqui, o Columbus Day, e ele vai com a namorada russa para uma bela região de vinhedos na ponta de Long Island, a ilha vizinha a Manhattan), do Brasil, dos americanos, de Nova York, enfim: botamos o papo em dia. Marcamos de ir a um jogo dos Yankees, e o Jimmy ainda ficou de ver com um primo dele, John, que trabalha no MoMA, se eu poderia ir lá no dia que o museu está fechado para a gentalha. Imaginem isso! O cara fala português também, e sabe tudo de Modernismo. Já troquei emails com ele, marcamos para o dia 16.

Dali, fomos para o Terra Blues, assistir ao show do Lil’ Ed & the Blues Imperials, banda de blues puríssimo de Chicago, na linha “Ma baby is gone”, cantado e tocado daquele jeito que só quem traz toda a história da música negra americana na carcaça é capaz. O pequeno Ed, de turbante (Lil’ é uma abreviação de little misturada com Williams, seu sobrenome), é incrivelmente parecido com o ator Cuba Gooding Jr., o mesmo sorriso escancarado e até as mesmas caretas, só que mais velho; o homem toca uma sensual slice guitar ao modo clássico, sendo desnecessário descrever-lhe a competência. Michael Barrett faz a guitarra base, mas defende seus solos com muita elegância, introduzindo algumas sutilezas do jazz branco. No baixo, James "Pookie" Young é o que todo baixista deveria ser: um baobá negro de chapéu, impávido colosso; o baterista, Kelly Littleton, também segue a incrível tradição de não parecer um baterista – se encontro na rua, diria um matemático ou filósofo. Veja mais sobre a banda em http://www.intrepidartists.com/liled.html. A seguir, minha montagem de fotos que tirei durante o show, para vocês sentirem o climão.


No intervalo do show, meia-noite, saímos para um cigarro e formamos, sem querer, uma roda com uma irlandesa bêbada comédia, um americano que tava pegando ou tentando pegá-la, e um israelense cabeludo. Papo surreal. Jimmy precisou ir embora, pois no dia seguinte era dia de branco. Eu disse que ficaria até o fim. Diante de sua preocupação, eu lhe garanti que sabia como voltar para casa. De fato, peguei o metrô às duas, cheguei às três, bêbado, exausto – pois estava na rua desde as cinco da tarde – mas feliz pela grande noite.

O Jimmy... considero pra caralho o Jimmy! Vocês precisam conhecer o cara.