quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Frenesi fotográfico

Tiro fotos de tudo quanto é coisa, e percebi que, se a pessoa bobear, ela sequer olha para a coisa em si. É a conhecida “síndrome do japonês”.

A primeira vez que fui ao MoMA, peguei a boca livre das sextas-feiras em que, depois das 4 da tarde até as 8 da noite, o ingresso é gratuito. Cheguei meia hora antes de começar, e fiquei no meio de uma fila indiana que se formava no final do quarteirão, num terreno baldio exclusivo para ela, uma oportunidade para ficar ouvindo a conversa alheia, embora não entendendo bulhufas. A fila não parava de crescer, e foi ficando enorme. Havia ali uma certa tensão no ar, tipo “Os Pássaros”, todos ávidos por atacar o museu.

Quando chegou a hora, a fila foi conduzida à entrada principal do MoMA por guardas de preto, passando antes defronte ao Museu de Arte Folclórica (ou seja, arte de países do terceiro mundo), uma situação de certa forma humilhante, pois todos os homens e mulheres de negócio que passam ao largo devem pensar, imagino eu, “turistas, humpf...” Bem, a situação é humilhante e totalmente desnecessária, já já explico por que. O fato é que, assim que as portas giratórias foram liberadas, uma súcia cobiçosa espalhou-se a esmo nos espaços minimalistas do museu, apinhando-se nas escadas, elevadores, cafés, átrios e nos outrora sossegados espaços para refrigério, assolando inocentes voluntários à procura informações óbvias – quando bastaria ter calma e ler o manual – banheiros, já não mijam faz horas, e aparelhos com áudio sobre as obras expostas, para entenderem as três primeiras e ficarem carregando aquela geringonça nas demais.

Mas afinal, o que é que esse povo vai fazer no MoMA? Aí varia: alguns estão ali para tirar a própria foto, aquele tipo de foto que aparece você e sua companheira fazendo uma cara qualquer que se presume engraçada, embora estourada por causa do flash, em que no alto vê-se o céu do lugar onde se está. Serve para mandar pelo celular para os amigos sentirem inveja, ou para lembrarem-se, ao fim do relacionamento, daquela vadia ou daquele escroque. Outros estão ali para fotografar tudo que não se mexa, enquanto o memory stick da máquina digital agüentar, pois só têm aquele dia para ir ao MoMA e não dá para ficar prestando atenção em tudo. Se der, no café da manhã, dão uma olhada. Pais levam seus filhos de dois anos para despertar neles o interesse pelo mundo da arte, na esperança torná-los mais inteligentes, até porque não havia com quem deixar aqueles infelizes, mas o que as crianças gostam mesmo é ouvir seus próprios choros aborrecidos ecoarem nos salões. Uns não têm nenhum interesse particular em museus, muito menos em obras de arte, o que não podem é voltar para casa sem ter ido ao MoMA e ao Fantasma da Ópera – que vão pensar os colegas do trabalho? Há, por fim, aqueles que vão para ver os quadros famosos: “Meu bem, corre! Demoseledavinhon!” As mocinhas retratadas por Picasso estão até meio tronchas, a do alto à direita chegou a ficar cega de um olho, por conta dos flashes (proibidos) que já levaram no meio dos cornos.

Fica aqui a boa notícia: tal comportamento não é coisa de brasileiro; holandês também é gente como a gente.

Mas, como disse, tudo isso é desnecessário. Nas outras duas vezes que fui ao MoMA, sempre no sextão livre, cheguei à cinco. Nessa hora, as mocinhas da recepção já estão recompostas e penteadas e a súcia, exausta, não agüentando olhar mais nenhum quadro, pode ser até do Papa em pessoa, e sentam-se todos diante do chato do Monet, fingindo que estão apreciando suas impressões sobre plantinhas e laguinhos, quando na verdade estão que não se agüentam com a coluna variando, as varizes latejando, os calos gritando e os pés fervendo dentro daqueles malditos scarpins – quem foi a besta que falou para vir de scarpin?

Como eu disse no início deste, no entanto, eu também venho sofrendo o transtorno do frenesi fotográfico. Portanto tenho centenas de fotos para mostrar para os parentes e amigos. Ao invés de importuná-los com sessões infindáveis – “aqui, sou eu comendo tomando cerveja da China”, “este sou eu na Estátua da Liberdade”etc. – resolvi explorar mais uma ferramenta desses tempos modernos, criando o maravilhoso álbum de fotografias de minha viagem na internet, cujo endereço é http://www.flickr.com/photos/marcosgonzalezrj, que pode ser vizualizado também na na forma de slideshow. De antemão aviso que não estou em quase nenhuma foto. Eu não queria ficar importunando transeuntes para tirar foto de mim, e as que eu mesmo tirei, com temporizador, sempre ficava na dúvida se eu devia ficar olhando para a lente ou fazendo tipo de que fui pego de surpresa por mim mesmo. Em suma, cheguei à conclusão que as piores fotos eram aquelas em que eu aparecia. O bom de elas estarem na internet é que aqueles que não tiverem paciência de olhar podem simplesmente chegar para mim e mentir: adorei suas fotos, principalmente aquela (e aqui a pessoa pode encaixar um local qualquer, como Central Park, por exemplo). Sintam-se à vontade.

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