segunda-feira, 17 de setembro de 2007

NYBG, a missão

Ao me deparar com o prédio que abriga a Mertz Library, a primeira sensação que tive do Jardim Botânico de Nova York foi de solidez. Trata-se de um castelo neo-clássico de beleza acachapante, no estilo Beaux-art, finalizado em 1899 mas recentemente restaurado e adaptado para abrigar espaços de exibição, novas áreas de trabalho e um laboratório de digitalização de imagens.

Solidez parece ser uma palavra apropriada não só para o prédio, mas para a instituição como um todo. O New York Botanical Garden, doravante NYBG, foi um dos primeiros jardins botânicos criados nos EUA (1891), ocupando uma área de 96 ha, 20 dos quais conservam intactas florestas nativas. Reúne 50 jardins, exibições de plantas e coleções vivas diferentes, sua biblioteca tem um acervo de 50.000 livros sobre botânica e ciências afins, seu herbário, 7 milhões de espécimes. Oferece, anualmente, 900 cursos para milhares de adultos, crianças e professores, o maior e mais diversificado programa de educação continuada sobre o manejo de plantas, jardinagem, horticultura e paisagismo do mundo. Com 100 anos de estudos sobre a flora de várias regiões e ecossistemas do globo, é uma das instituições mais tradicionais e atuantes na pesquisa botânica, e continua investindo em conhecimento e novas tecnologias - em 2006, por exemplo, inaugurou o Pfizer Plant Research Laboratory, dedicado ao estudo de genoma de plantas e à sistemática molecular, e tem este nome não por pertencer ao Laboratório Farmacêutico, mas em homenagem ao maior doador privado. Chamo atenção para esse detalhe, pois é aqui que se observa uma grande diferença entre a cultura americana e brasileira no que se refere a recursos financeiros.

Várias “coisas” que existem no NYBG tem o nome associado a uma pessoa. Embora, como no Brasil, haja homenagens a grandes nomes da ciência, principalmente americana (no JBRJ, a Biblioteca é Barbosa Rodrigues, o Herbário é Dimitri Sucre etc.), aqui é comum o nome associado à “coisa” ser uma pessoa que contribuiu com a maior parte dos recursos para sua criação ou desenvolvimento. Essa coisa pode ser um prédio inteiro, um setor, um projeto, uma exposição, um banco de praça, uma árvore ou uma lata de lixo. Em todo canto, há uma placa com o nome de financiadores, e eles estão às claras, são exibidos sem cerimônia – pelo contrário, quase sempre têm maior destaque do que autoridades, prefeitos ou presidentes. O doador demonstra assim seu amor por uma instituição ou cidade, ao mesmo tempo que eterniza seu nome em uma espécie de marketing social permanente.

Embora para os brasileiros, seja abominável a idéia de se ter, digamos, um “Laboratório Moreira Salles de Fitogeografia” dentro de seu jardim botânico, isto seria comum aqui e, pelo que sei, nos EUA como um todo. O banqueiro J. P. Morgan, por exemplo, ao morrer em 1913, deixou U$250 milhões para que fosse criada, entre outras coisas, a Pierport Morgan Library, no centro de Manhattan, descrita como a mais bela coleção de manuscritos medievais do mundo. Nós brasileiros não podemos aceitar que instituições públicas recebam o dinheiro, digamos, imundo de um banco burguês-capitalista-selvagem; doações aceitáveis são apenas aquelas que vêm do governo, o suado e surrado dinheiro público. E quanto aos nossos bancos burgueses-capitalistas brasileiros, por sua vez, raramente lhes passa pela cabeça financiar um Laboratório de Fitogeografia, que não dá retorno e mal serve como marketing, já que nem o banco nem ninguém mais sabe para que serve – provavelmente outra bobagem de cientistas malucos brincando de misturar produtos químicos. Tais bancos ou congêneres preferem não arriscar, é mais seguro criar suas fundações com o propósito de absorver os recursos que iriam para o imposto de renda – mais uma vez nosso querido dinheiro público – contando para tal com o auxílio luxuoso das leis de incentivo à cultura, criadas pelo próprio governo. Aliás, já que a política é esta, que se criassem ao menos leis de incentivo à ciência, pois projetos de cunho estritamente científico – como o de informatização do herbário do JBRJ – precisam fazer contorcionismos muitas vezes delirantes para se candidatarem às benesses de leis como a Rouanet.
Em resumo, filantropia é a palavra mágica que explica, em boa parte, a solidez de instituições como o NYBG no hemisfério norte. Claro, para aceitá-la no coração é preciso não pensar como foi que J. P. Morgan, 100 anos atrás, conseguiu deixar U$250 milhões em conta corrente, quantas almas ele terá extorquido, quantos miseráveis corrompido, quanta usura praticado... é preciso ter a esperança de que nada disso é necessário para se acumular renda.

Doações não são, obviamente, a única fonte de renda do NYBG. Há também o programa de adesão de sócios, similar aos “amigos do Jardim Botânico” do Rio, e a bilheteria proveniente dos ingressos, e talvez ainda outras fontes, sobre as quais eu ainda não tenho dados, mas procurarei obter.

Não basta, no entanto, obter recursos financeiros, é preciso fazer por merecê-lo, ou seja, saber aplicá-los, para que ele renda frutos. No caso de um jardim botânico, aplicar bem os recursos captados significa, antes de tudo, ter bem definida uma missão, e persegui-la com afinco. Tentarei extrair do que vejo e ouço no NYBG qual o papel que a instituição reservou para si, e como age para cumpri-lo.

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